Bàbá José Carlos T'Ibùalámo (Saudoso)
Dofono Ti Sàngó na estrada em direção a São Paulo capital, pra ser mais exato ao Bairro de Santo Amaro, Jardim Varginha, onde nos aguarda o Bàbálóòrìsà José Carlos de Ibùalámo, um dos ícones do Candomblé Paulista.
A impressão que se tem chegando ao Àse Ibùalámo, é que estamos na Bahia devido à geografia da área onde está localizado o Ilé Àse.
A recepção que tivemos não poderia ser melhor, devido a simplicidade das pessoas e a amabilidade com que recebem seus visitantes.
E o que nos deixou surpresos foi o importante trabalho social realizado aqui e a grande quantidade de árvores e folhas. Bem, mas pra falar disso nada melhor que um bate papo com o nosso anfitrião.
Sentado em sua cadeira em frente à Casa de Ibùalámo esta o nosso entrevistado. Eu que esperava encontrar aqui um “Pai de Santo” cheio de não me toque, devido a sua importância no Candomblé, me deparo com uma pessoa simples, humilde, sem grandes ostentações, mas de grande sabedoria.
Falando de Axé: Babá José Carlos, quando e como se deu inicio este tão belo trabalho social que o Sr. realiza aqui?
Babá José Carlos: Os trabalhos sociais tiveram inicio logo após a implantação do Àse, por determinação de uma Entidade da casa e nessa época a comunidade circunvizinha era muito carente, e nós não morávamos aqui, aqui somente era o espaço destinado ao culto, à Òrìsà e a casa ainda estava em formação. O primeiro trabalho social realizado foi o “sopão”, me lembro de que passávamos a noite toda de sexta pra sábado fazendo a sopa, e de manhã no sábado as pessoas da comunidade vinham com as panelas buscar. A sopa era distribuída à + ou – 300 pessoas semanalmente, sempre aos sábados.
As pessoas da comunidade continuavam nos procurando e sentimos necessidade de ampliar este trabalho. Dando continuidade montamos um projeto chamado Olúwa que atende crianças e adolescentes, com oficinas de dança, percussão, balé afro, capoeira.
Realizamos uma seria de atividades com as crianças da comunidade e senti necessidade de abrir uma creche para poder atender as famílias que não tinham onde deixar seus filhos para poderem trabalhar, em virtude da distância do bairro e o centro da cidade, atendemos 60 crianças, que entravam ás 6hs da manhã e saiam quando os pais voltavam do trabalho, esses serviços eram realizados por voluntários do Axé e da comunidade, e eram totalmente gratuitos. Conseguimos criar vários convênios, o primeiro foi com o governo do Estado de São Paulo, com a COORDEAGRO, coordenadoria ligado a secretaria de agricultura, para distribuição de cesta básica e o projeto Viva Leite Criança e Idoso, atendendo 150 famílias semanalmente sendo que para cada família são entregues 4 litros de leite; depois criamos o convenio de inclusão digital com a montagem do Telecentro, atendendo crianças e adultos da comunidade com cursos de telemarketing, informática e cursos livres, contando com 20 computadores ligado na rede mundial de internet. Em parceria com a secretaria estadual de segurança pública passamos a receber as pessoas de pequenas causas que cumprem penas alternativas de serviços à comunidade ajudando nas obras sociais perante a comunidade.
Falando de Axé: Vi que o Sr. tem em sua Ilé Àse uma Biblioteca. Ela é aberta a comunidade ou restrita somente aos membros do Àse?
Babá José Carlos: Outra preocupação do Axé é ajudar as crianças com a leitura, e após a abertura do Telecentro foi verificado que as crianças tinham muita dificuldade com leitura, diante disso foi desenvolvido um projeto chamado “Ler Para Crescer” que foi desenvolvido pelo Vinicius, Pai Ogam do Axé, e enviado para Telefônica, o qual foi aprovado permitindo a construção desta biblioteca que recebeu o nome de meu pai carnal, Biblioteca Comunitária Osvaldo Santana, com um acervo de 5000 livros, e também foi criado uma sala onde é ministrado os cursos de telemarketing, culinária, de doceria, confeitaria, de religiosidade africana o qual foi ministrado por mim durante 6 meses; o Ilé faz parte do circuito urbano do SESC, sendo assim neste espaço que está adequado com cadeiras, data show, também recebe pessoas que são enviadas pelo SESC, para receberem informação sobre a religião, para conhecimento desta com o intuito de quebrar o preconceito. Todos os projetos são abertos a comunidade.
Falando de Axé: Tive o prazer de acompanhar a distribuição de leite e gostaria de saber qual o sentimento do Sr. em poder ajudar a comunidade?
Babá José Carlos: Sinto-me realizado, gosto muito do que faço e me sinto gratificado por poder ajudar as pessoas necessitadas, toda a minha família presta serviço comunitário, meu irmão foi vereador em minha cidade natal na Bahia e seu mandato foi dedicado a pessoas carentes. E aqui na comunidade atendemos pessoas de diferentes credos, como católicos, evangélicos, espíritas, sem distinção. Preconceito que existe com relação às religiões de matrizes africana.
Falando de Axé: Vejo que o Sr tem uma grande preocupação com as crianças de sua Egbé (comunidade)?
Babá José Carlos: Nós nos preocupamos muito com as crianças dos filhos do Axé, eles não são levados para serem batizados em outra religião, eles são batizados no próprio Ilé Àse (Templo de Candomblé) para que haja uma aproximação destas crianças com a religião de seus pais, o que possibilita que essas crianças cresçam vivenciando a religião de seus pais, para que no momento certo possam ser iniciadas para darem continuidade ao que seus pais começaram, pois essas crianças serão o futuro da religião, do Axé; elas recebem o conhecimento sobre os orixás, sobre os toques de atabaque, sobre as folhas, e demais rituais do terreiro.
Falando de Axé: O Sr. tem aqui uma grande diversidade de árvores e folhas, algumas raridades que só vemos em livros. Além do Ilé Àse (Casa de Culto), aqui também funciona como área de preservação?
Babá José Carlos: O bairro onde hoje existe o Ilé, era um setor apenas de chácaras, e a preocupação com as aves, com as folhas, com as águas, foi o que fez com que eu comprasse essa área e saísse do bairro Jabaquara, que fica próximo ao centro da cidade. Essa região é uma área de manancial e área de proteção ambiental, qualquer árvore para ser cortada precisa da autorização da APA Bororé Colônia que administra tudo e da qual eu faço parte como conselheiro representante da sociedade civil. O Àse tem uma preocupação muito grande com o meio ambiente, com o ecológico, muitas ervas foram trazidas da Bahia, e essa preocupação se justifica pelo patrono do Axé ser Ibùalámo, pois, não há como cultuá-lo sem a mata, sem a água. Ressalto que o culto das folhas e ervas é de suma importância no Àse Ibùalámo, pois, "Kòsí Ewé, Kòsí Òrìsà - Se não existir folha, não tem Òrìsà”, lembro que não só os povos africanos, mas também todos os povos antigos se preocupavam com as árvores.
“Ewé njé
Oògùn njé
Oògùn tikò jé
Ewé rè ní kò pè
As folhas funcionam
Os remédios funcionam
Remédios que não funcionam
É que tem folhas faltando.”
(“O Àse Ibùalámo é muito conhecido em São Paulo como uma das moradias de Òsanyìn (Deus das Folhas Sagradas "ewé"), essa fama se deve essencialmente, a vasta diversidade de folhas sagradas que são carinhosamente cultivadas no Àse, muitas oriundas do continente africano, como Odán (Ficus sp. L., Moraceae), Akòko (Newbouldia Leavis Seem., Bignoniaceae), Apáòka (Artocarpus Communis; Moraceae) e Ìrókò (Chlorophora Excelsa. Moraceae) - cabe lembrar que, muitas dessas árvores são moradia de Òrìsàs, à exemplo do Ìrókò e Apáòka que detêm um culto especial -. Certamente essa ligação da sociedade Ilé Alákétu Àse Ibùalámo com as folhas é herança do próprio patrono da casa, que é considerado ao lado de Òsanyìn, o pai da botânica. Isso é evidenciado pelo "Òpá Òrèrè" ferramenta do Òrìsà Ibùalámo, muito semelhante à de Òsanyìn, e que é utilizada apenas na manipulação fitoterápica.”)
Falando de Axé: Como o Sr vê o Candomblé de São Paulo perante o Candomblé na Bahia?
Babá José Carlos: Embora muitas pessoas critiquem o Candomblé de São Paulo, acredito que essas críticas são injustificadas e pura falta de conhecimento, pois o candomblé de São Paulo é o que mais evoluiu, e existe um contato estreito com suas casas matrizes, para preservar as tradições, existindo uma busca muito grande pelo aperfeiçoamento e uma grande busca pelo conhecimento. Lembro que em uma das visitas de Pai Tarrafa ao nosso Àse, em uma festa de Ibùalámo, este disse que vê o candomblé de São Paulo como o candomblé do futuro, pois, ele via o interesse da juventude no candomblé, que essa juventude busca o conhecimento. Realmente existem os marmoteiros, mas também existe o Candomblé sério, que segue suas raízes e se preocupa em preservar o culto aos ancestrais.