Bàbá Olúmoko Aláyélú Sàngógbèmi

Falando de Axé tem o privilégio e o prazer de entrevistar o Bàbálóòrìsà Olúmoko Aláyélú Sàngógbèmi, pessoa super especial, que tem como virtudes a humildade, o bom caráter e principalmente o amor pelo Òrìsà.

Bàbá, para começarmos nossa entrevista, gostaria que antes, o senhor fala-se um pouquinho de você e de sua trajetória dentro do Culto, para que assim, nossos leitores possam saber quem é Bàbá Sàngógbèmi T’Sàngó.

Sou natural da cidade de Santo André, estado de São Paulo, nascido há 19 de Abril de 1960. Ingressei na religião dos Òrìsà em 05 de Junho de 1977, dia do meu orúko, tendo como Bàbálóòrìsà o senhor Anoel de Àirá e Ìyákékeré Isabel de Oya, ambos pertencentes à nação Ketu Àse Gantois (Ìyá Ìyá Omi Àse Ìyámase) e, com estes mesmos sacerdotes, dei continuidade às minhas obrigações seguintes, concluindo em 20 de Abril de 1985 os meus sete anos.

No ano de 1987 comecei a tocar Candomblé na cidade de Santo André onde iniciei meus primeiros filhos com a assistência de minha Ìyákékeré, mas adiante em 1990 tive que procurar local maior e adequado para fundar a casa de Sàngó, ocasião em que eu e minha família nos mudamos para a cidade de Poá – SP, local onde foi fundado o Ilé Oníbon Òrun. No mesmo ano conheci e fiz alguns rituais com um Bàbálóòrìsà nigeriano chamado Sàngósojí que me foi apresentado pelo senhor Adémolá Adésojí, sendo nessa época aconselhado a iniciar no culto à Òrúnmilà-Ifá, fato que, felizmente, aconteceu em Fevereiro de 1995 com o Bàbálawo Fábunmi Sowunmi (ni iranti). Desde minha infância, sempre me senti atraído pela religião dos Òrìsà, haja vista que, meus familiares maternos sempre estiveram ligados à religião de alguma forma, inclusive, sendo meu avô materno iniciado em Candomblé de nação Angola. Porém, mesmo eu sentindo essa atração pela religião, eu era barrado pelo meu finado pai, que por ele ser europeu preferia manter certa distância das pessoas que ele denominava “macumbeiras”. Mas não teve outra opção, quando eu aos dezesseis comecei há ser acometido por crises constantes de hipertensão arterial e sem solução na medicina fui levado por uma tia para a casa daquela que mais tarde se tornou minha Ìyákékeré. Inicialmente ela cuidou de mim com rituais de ebo e eborí, daí para a iniciação fui um pulo. E se hoje, eu tivesse que passar por tudo novamente, faria sem pensar duas vezes. Sei que algumas pessoas não acreditam na história de alguém chegar à iniciação para resolver problemas de saúde, mas a situação é verídica, o mesmo aconteceu com minhas filhas carnais Herika e Amanda, Herika aos dez anos e Amanda aos oito anos de idade tiveram que ser iniciadas por questões de saúde.

 

Falando de Axé: O que é “Axé” para o Senhor bàbá?

Bàbá Olúmoko: Axé para mim consiste no poder de realização e transformação contido em tudo que nós manipulamos e verbalizamos. Acredito que para haver a manifestação do “Axé”, além dos elementos e palavras por nós usadas para despertar essa energia contida nos elementos, desencadeando assim uma reação, há a necessidade de estarmos em equilíbrio com a natureza à nossa volta e com nossa própria essência. Penso que este equilíbrio só é atingido por meio dos rituais de iniciação ao Orixá e, posteriormente à iniciação ritual, o iniciado iniciar-se a si próprio, ou seja: ter consciência de que agora, após a iniciação, terá que adotar uma postura diferente da anterior, primando pelo bom caráter e respeito. Não consigo crer que alguém plante “Axé” em outro ser, em assentamentos de Orixá ou em espaços físicos, entendo que o sacerdote devidamente preparado e em equilíbrio, vai despertar o “Axé” adormecido em outro ser, e este por obrigação deve manter-se em harmonia para preservar vivo o “Axé” que foi despertado. Onde não há equilíbrio, não há “Axé” e nem quem o desperte, está é a minha opinião.

 

Falando de Axé: Como o senhor vê o Culto (Candomblé e Ìsèse Àgbàyé) a Òrìsà hoje no Brasil?

Bàbá Olúmoko: Sinceramente, eu encaro como duas religiões totalmente diferentes, mas que devem manter um respeito mútuo. Se já não existisse o Candomblé no Brasil, penso que seria praticamente impossível o Culto Tradicional Yorubá – Ìsèse Àgbàyé expandir-se no Brasil. Percebo que há muitos candomblecistas que têm verdadeira aversão aos sacerdotes yorubás e aos seus ensinamentos, acredito que, se deve ao fato de que se acatassem a Tradição Yorubá, teriam que reverem muitos dos conceitos por eles praticados, o que resultaria em afastamento de alguns adeptos das casas de candomblé. Mas em contrapartida, o Culto Tradicional Yorubá fez com que muitos adotassem postura diferente em suas vidas, indo de encontro às iniciações em Orixá e Orunmilá-Ifá com sacerdotes yorubás, mudando depois, superficial ou radicalmente os rituais antes praticados. Eu gosto guando vejo que alguém teve coragem de fazer esta revolução, pois, esta ocorrência força os sacerdotes do Candomblé a se abrirem mais e reverem certos conceitos que, ao serem “repensados” vão facilitar mais o dia a dia e a compreensão daqueles que os procuram. O Culto Tradicional Yorubá tem um longo trabalho pela frente, pois, ainda há muita gente entorpecida por concepções tão degradantes que leva a maioria a abandonar o Culto a Orixá ou acabar doida. Eu e minha família abraçamos o Culto Tradicional Yorubá, não nos arrependemos, acredito que Orixá nos leva a estas mudanças, ele quer assim e assim acontece. Charlatães! Este tipo de gente há em todos os lugares, em todas as religiões há os que são dignos e não dignos, mas se confiamos em Orixá, porque julgarmos e se preocuparmos com supostos charlatões?

 

Falando de Axé: O que o senhor acha que está faltando em nosso culto, para que o mesmo seja mais respeitado?

Bàbá Olúmoko: Comedimento, conduta, entendimento maior da religião em si, para que não se faça divulgações abestalhadas do que é e como atua o Orixá, respeito ao espaço publico e natural compartilhado. Tudo isso teria que vir de dentro das casas e dos devotos do culto para a sociedade lá fora. Devíamos contestar menos, por mais absurdo que seja, as praticas rituais de outros Axés, ainda mais quando isso é feito em público como vemos acontecer constantemente na Internet, está atitude, na maioria das vezes, dá munição aos nossos detratores para atacarem toda a comunidade adepta à religião do Orixá. Sermos mais ativos em eventos e movimentos que buscam alcançar mais espaço para nós junto ao governo e a sociedade. Não nos envergonharmos da nossa fé por receio de sermos execrados, conheço muitos que ao serem questionados sobre a sua religião se dizem católicos, eu acho isso um absurdo, pois se um membro da religião não assume que faz parte, dá o direito do leigo achar que há algo de errado por trás da cortina. Certo que nossa religião não é de conversão mais iniciática, porém não custa começarmos por dentro de casa, na família, àqueles que não fazem parte do culto, a esclarecer sobre nossa fé, principalmente aos mais jovens. “A propaganda boca a boca bem feita surte bom efeito”.

 

Falando de Axé: O que é Sàngó para o senhor Bàbá, fale-nos um pouco dele e o que ele representa em sua vida?

Bàbá Olúmoko: Sàngó, eu o tenho como o meu porto seguro, meu amigo, conselheiro, confidente e “salvador”, não digo “salvador” no sentido dos outros religiosos, mas literalmente, pois se não fosse Ele interceder pela minha saúde em tempos passados, eu não estaria aqui agora.

Ele é aquele que me parabeniza quando eu caminho certo, mas se eu errar propositalmente ou por relaxo (afinal sou humano), ele “puxa” minhas orelhas para que eu não incida no mesmo erro novamente. Eu não o temo, eu o respeito e muito. É para mim e, para minha família, o nosso Deus particular que, independente de qualquer situação ruim que possamos vir passar, jamais o renegaremos, não há convenção sobre esta Terra que nos force a ter esta atitude um dia.

Falando de Axé: Para o senhor, qual é a importância da Criança dentro do Culto a òrìsà e de que maneira poderíamos passar a nossa religiosidade para nossos filhos?

Bàbá Olúmoko: Eu vejo a importância da criança dentro do Culto no fato de que nossos filhos e netos serão nossa continuidade e “presença” aqui no amanhã, dando assim continuidade ao nosso trabalho e ao culto e, dependendo de como forem orientadas, podem atuar de maneira até melhor que nós próprios atuamos. Sou favorável à criança ser iniciada e orientada desde a infância dentro do culto ao Orixá, principalmente se já existir algum indicio de que este deve ser o caminho da criança. Os adeptos de outras religiões não educam deste o nascimento os seus filhos e netos dentro da sua fé? Porque nós haveríamos de ser diferentes? Fico sem atitude quando ouço um sacerdote do Culto ao Orixá dizer que não quer está vida para os seus filhos nem para os seus netos, não faz sentido algum. Que vida? A meu ver, quem tem está ideia deveria “pendurar a chuteira”, pois não aprendeu o que é Orixá e nem vai aprender. Partimos do princípio de que Orixá é família, então nossos descendentes, desde o nascimento, devem ser alocados dentro do Culto, assim se darão melhor do que a maioria de nós que entrou já com certa idade.

 

Falando de Axé: Hoje bàbá, com tantas Catástrofes Naturais ocorrendo em nosso Planeta, o que o senhor acha que poderia ser feito por parte dos Sacerdotes da Religião, já que nossa religião preza tanto a Natureza?

Bàbá Olúmoko: Creio que só os sacerdotes da nossa religião não poderia fazer muito, o esforço para atenuar essa situação teria que vir de um todo. O homem espalhado pelo planeta, sem exceção, de alguma maneira afronta a natureza diariamente, então mesmo com rituais dirigidos para aplacar a ira da natureza, penso que seria inútil, pois a ira da natureza é provocada pelo próprio homem e não voluntária. Poderíamos colaborar não jogando restos de obrigações embaladas em sacos plásticos dentro dos rios, o que for entregue dentro da água não deve estar embalado. Evitar alguidares em esquinas, enxurradas fortes os levam para dentro dos bueiros provocando entupimento de galerias emuito bem ficar em cima de folhas ou direto na terra. Não há necessidade de abandonar corpos de animais, já vi até garrotes, dentro das matas. E assim vai por ai afora, um monte de sujeira desnecessária que o nosso povo costuma fazer e que acaba tendo o efeito de uma bola de neve. Mas isso é pequeno em comparado com o que os outros fazem.

 

Falando de Axé: Bàbá aprendemos dentro de nosso Culto, através dos Poemas Sagrados do Ifá, que a principal virtude de um sacerdote é o Ìwà pèlè (Bom Caráter), virtude essa, que infelizmente não é encontrada em muitos daquele que se dizem sacerdotes da nossa religião, o que o senhor nos fala sobre Ìwà pèlè (bom caráter)???

Bàbá Olúmoko: Ìwa pèlè (bom caráter), coisa rara, difícil de encontrar e para alguns, difícil de cultivar. Em minha concepção, o ser nasce predisposto a ter bom caráter, independente do meio onde nasceu e vive, mas pode deparar com situações que o atentarão a se desviar do bom caminho e para que isso não aconteça precisará de Orí rere (boa cabeça). Não acredito que o sujeito desprovido de Ìwa pèlè (bom caráter), possa mudar seu caráter de repente, as pessoas podem melhorar, mas mudar totalmente não. Alguns até fazem uso do seu suposto status de sacerdote para reforçar o mau caráter que possuem, e ainda o fazem de forma dissimulada. A pessoa desprovida de Ìwa pèlè não está apta a provocar mudanças de energias, ela não caminha pela ética e sim por aquilo que vai lhe favorecer sem se importar com o estrago provocado ao próximo. Está pessoa está sempre em choque com os outros e com as energias, quem tem bom caráter não vive desta maneira. Esquecem-se que Elédùmarè (Deus) enxerga o nosso caráter, e por assim ser, o indivíduo sem caráter não receberá coisas boas e não possuirá coisas boas para passar a ninguém.

 

Falando de Axé: Bàbá, o senhor acredita que deva existir o resgate da origem (liturgia) yorùbá dos Candomblés Nàgó, no Brasil?

Bàbá Olúmoko: Sim, eu sou até favorável ao resgate da liturgia, mas não sei se isso seria possível, já que grande parte dos Candomblés Nàgó são direcionados a manter as tradições dos (as) seus (suas) fundadores (as) não admitindo nenhuma alteração na liturgia pratica, já há coisa de séculos. Foi desta maneira que conseguiram resistir a toda sorte de perseguição sofrida e assim querem continuar. Mesmo não concordando com muita coisa dentro dos Candomblés Nàgó (Kétu, Èfòn, Ìjèsà), eu acho bonito esse afinco às tradições dos antigos. Se de repente recriassem o Candomblé, ele, o Candomblé perderia a sua identidade. Há muita gente que gosta do Candomblé do jeito que ele é e não quer mudar.

 

Falando de Axé: Bàbá, o que o senhor nos fala sobre Ifá e qual a sua importância para o Culto a Òrìsà???

Bàbá Olúmoko: Ifá é para mim o alicerce da religião dos Orixás, sem Ifá, o seu culto e as suas orientações, não vejo como chegar ao Orixá e mantê-lo. Como é na África, deveria ser aqui no Brasil também, antes do devoto ser submetido à iniciação de Orixá, deveria conhecer Ifá, iniciar no culto a Ifá. Imagine uma pessoa que não pode ter a cabeça raspada ou não possa levar sangue na cabeça, fora outras proibições, e essa pessoa inicia primeiro no culto ao Orixá, com certeza ela terá problemas sérios em sua vida. Poderia haver menos preconceito e egocentrismo por parte de alguns sacerdotes e recorrer um pouco à Bàbálawo’s devidamente capacitados para diminuírem suas duvidas. Desta maneira o culto aos Orixás teria muito mais estrutura e, quem sabe, não passaria a ser até melhor aceito. Digo ser mais bem aceito, porque onde Ifá entra há harmonia, prosperidade, saúde e união.

União!!! É disso que mais precisamos na atualidade.