Zélio Fernandino de Moraes (Saudoso)
A Falando de Axé do mês de Julho de 2011 resolveu publicar esta entrevista feita com o saudoso Sr. Zélio Fernandino de Moraes — o Precursor da Umbanda, que foi realizada em Novembro de 1970 e publicada pela primeira vez como o 38º boletim da Tulef.
O motivo de estarmos publicando essa entrevista, é para que os atuais Umbandistas possam fazer uma reflexão a respeito de como era a Umbanda de antes, aquela criada por Zélio e como é a de hoje e se perguntar, será que estamos no caminho certo???
Uma boa leitura e também uma ótima reflexão...
Com 82 anos de idade, este homem é considerado por um pequeno grupo de umbandistas "o fundador da Umbanda". Cabelos grisalhos, fisionomia serena e simples, Zélio de Moraes, através do seu guia espiritual, o Caboclo das Sete Encruzilhadas, só sabe praticar o amor e a humildade.
"- Na minha família, todos são da marinha: almirantes, comandantes, um capitão-de-mar-e-guerra... Só eu que não sou nada..." - comentava sorrindo Zélio de Moraes, aos amigos que o visitavam, nessa manhã ensolarada.
E a repórter, antes mesmo de se apresentar, retrucou:
"- Almirantes ilustres, capitães-de-mar-e-guerra há muitos; o médium do Caboclo das Sete Encruzilhadas, porém, é um só".
Levantando-se, Zélio de Moraes - magrinho, de estatura mediana, cabelos grisalhos, fisionomia serena e de uma simplicidade sem igual - acolheu-me, como se fôssemos velhos conhecidos.
Nesse ambiente cordial, sentindo-me completamente à vontade, possuída de estranho bem-estar, esquecendo, quase, a minha função jornalística, iniciei uma palestra, que se prolongaria por várias horas, deixando-me uma impressão inesquecível.
Perguntei-lhe como ocorrera a eclosão de sua mediunidade e de que forma se manifestara, pela primeira vez, o Caboclo das Sete Encruzilhadas.
"- Eu estava paralítico, desenganado pelos médicos. Certo dia para surpresa de minha família, sentei-me na cama e disse que no dia seguinte estaria curado. Isso foi a 14 de novembro de 1908. Eu tinha 18 anos. No dia 15, amanheci bom. Meus pais eram católicos, mas, diante dessa cura inexplicável, resolveram levar-me à Federação Espírita de Niterói, cujo presidente era o Sr. José de Souza. Foi ele mesmo quem me chamou para que ocupasse um lugar à mesa de trabalhos, à sua direita. Senti-me deslocado, constrangido, em meio àqueles senhores. E causei logo um pequeno tumulto. Sem saber porque em dado momento, eu disse:
"Falta uma flor nesta mesa; vou buscá-la". E, apesar da advertência de que não me poderia afastar, levantei-me, fui ao jardim e voltei com uma flor que coloquei no centro da mesa. Serenado o ambiente e iniciado os trabalhos, verifiquei que os espíritos que se apresentavam aos videntes como índios e pretos, eram convidados a se afastar. Foi então que, impelido por uma força estranha, levantei-me outra vez e perguntei porque não se podiam manifestar esses espíritos que, embora de aspecto humilde, eram trabalhadores.
Estabeleceu-se um debate e um dos videntes, tomando a palavra, indagou:
- "O irmão é um padre jesuíta. Por que fala dessa maneira e qual é o seu nome?”.
Respondi sem querer:
- "Amanhã estarei em casa deste aparelho, simbolizando a humildade e a igualdade que deve existir entre todos os irmãos, encarnados e desencarnados. E se querem um nome, que seja este: sou o Caboclo das Sete Encruzilhadas". Minha família ficou apavorada.
No dia seguinte, verdadeira romaria formou-se na Rua Floriano Peixoto, onde eu morava, no número 30. Parentes, desconhecidos, os tios, que eram sacerdotes católicos e quase todos os membros da Federação Espírita, naturalmente em busca de uma comprovação. O Caboclo das Sete Encruzilhadas manifestou-se, dando-nos a primeira sessão de Umbanda na forma em que, daí para frente, realizaria os seus trabalhos. Como primeira prova de sua presença, através do passe, curou um paralítico, entregando a conclusão da cura ao Preto Velho, Pai Antonio, que nesse mesmo dia se apresentou. Estava criada a primeira Tenda de Umbanda, com o nome de Nossa Senhora da Piedade, porque assim como a imagem de Maria ampara em seus braços o Filho, seria o amparo de todos os que a ela recorressem. O Caboclo determinou que as sessões seriam diárias; das 20 às 22 horas e o atendimento gratuito, obedecendo ao lema:
"Daí de graça o que de graça recebestes".
O uniforme totalmente branco e sapato tênis. Desse dia em diante, já ao amanhecer havia gente à porta, em busca de passes, cura e conselhos. Médiuns que não tinha a oportunidade de trabalhar espiritualmente por só receberem entidades que se apresentavam como Caboclos e Pretos Velhos, passaram a cooperar nos trabalhos. Outros, considerados portadores de doenças mentais desconhecidas revelaram-se médiuns excepcionais, de incorporação e de transporte".
Citando nomes e datas, com precisão extraordinária, Zélio de Moraes relata o que foram os primeiros anos de sua atividade mediúnica. Dez anos depois, o Caboclo das Sete Encruzilhadas anunciou a segunda fase de sua missão: a fundação de sete templos de Umbanda e, nas reuniões doutrinárias que realizava às quintas-feiras, foi destacando os médiuns que assumiriam a direção das novas tendas: a primeira, com o nome de Nossa Senhora da Conceição e, sucessivamente, Nossa Senhora da Guia, São Pedro, Santa Bárbara, São Jorge, Oxalá e São Jerônimo.
"- Na época - prossegue Zélio - imperava a feitiçaria; trabalhava-se muito para o mal, através de objetos materiais, aves e animais sacrificados, tudo a preços elevadíssimos. Para combater esses trabalhos de magia negativa, o Caboclo trouxe outra entidade, o Orixá Malé, que destruía esses malefícios e curava obsedados. Ainda hoje isso existe: há quem trabalhe para fazer ou desfazer ou desmanchar feitiçarias, só para ganhar dinheiro. Mas eu digo: não há ninguém que possa contar que eu cobrei um tostão pelas curar que se realizavam em nossa casa; milhares de obsedados, encaminhados inclusive pelos médicos dos sanatórios de doentes mentais... E quando se apresentavam ao Caboclo à relação desses enfermos, ele indicava os que poderiam ser curados espiritualmente; os outros dependiam de tratamento material..."
Perguntei então a Zélio, a sua opinião sobre o sacrifício de animais que alguns médiuns fazem na intenção dos Orixás. Zélio absteve-se de opinar, limitou-se a dizer:
"- Os meus guias nunca mandaram sacrificar animais, nem permitiriam que se cobrasse um centavo pelos trabalhos efetuados. No Espiritismo não pode pensar em ganhar dinheiro; deve-se pensar em Deus e no preparo da vida futura."
O Caboclo das Sete Encruzilhadas não adotava atabaques nem palmas para marcar o ritmo dos cânticos e nem objetos de adorno, como capacetes, cocares, etc.
Quanto ao número de guias a ser usado pelo médium, Zélio opina:
"- A guia deve ser feita de acordo com os protetores que se manifestam. Para o Preto Velho deve-se usar a guia de Preto Velho; para o Caboclo, a guia correspondente ao Caboclo. É o bastante. Não há necessidade de carregar cinco ou dez guias no pescoço..."
Considera o Exú um espírito trabalhador como os outros?
"- O trabalho com os Exus requer muito cuidado. É fácil ao mau médium dar manifestação como Exú e ser, na realidade, um espírito atrasado, como acontece, também, na incorporação de Criança. Considero o Exu um espírito que foi despertado das trevas e, progredindo na escala evolutiva, trabalha em benefício dos necessitados.
O Caboclo das Sete Encruzilhadas ensinava o que Exú é, como na polícia, o soldado. O chefe de polícia não prende o malfeitor; o delegado também não prende. Quem prende é o soldado que executa as ordens dos chefes. E o Exú é um espírito que se prontifica a fazer o bem, porque cada passo que dá em benefício de alguém é mais uma luz que adquire. Atrair o espírito atrasado que estiver obsedando e afastá-lo, é um dos seus trabalhos. E é assim que vai evoluindo. Torna-se, portanto, um auxiliar do Orixá.
Relembrando fatos passados em mais de meio século de atividade espiritualista, Zélio refere-se a centenas de tendas de Umbanda fundadas na Guanabara, em São Paulo, Estado do Rio, Minas, Espírito Santo, Rio Grande do Sul. A Federação de Umbanda do Brasil, hoje União Espiritista de Umbanda do Brasil, foi criada por determinação do Caboclo das Sete Encruzilhadas, a 26 de agosto de 1939.
Da Tenda Nossa Senhora da Piedade saiam constantemente médiuns de capacidade comprovada, com a missão de dirigirem novos templos umbandistas; entre eles, José Meireles, na época deputado federal; José Álvares Pessoa, que deixou uma lembrança indelével de sua extraordinária cultura espiritualista; Martinho Mendes Ferreira, atual presidente da Congregação Espírita Umbandista do Brasil; Carlos Monte de Almeida um dos diretores de culto da T.U.L.E.F.; João Severino Ramos, trabalhando ainda hoje, ativamente, inclusive na Assessoria de Culto do Conselho Nacional Deliberativo da Umbanda. Outros, fugindo às rígidas determinações de humildade e caridade do Caboclo das Sete Encruzilhadas, desvirtuaram normas do culto. Mas a Umbanda, preconizada através da mediunidade de Zélio de Moraes, difundiu-se extraordinariamente e hoje podemos encontrar suas características em tendas modestas e nos grandes templos, como o “Caminheiros da Verdade” e a “Tenda Mirim”, nos quais a orientação de João Carneiro de Almeida e Benjamin Figueiredo mantém elevado nível de espiritualidade, no Primado de Umbanda, uma das mais perfeitas entidades associativas da nossa Religião. Durante mais de cinquenta anos, o Caboclo das Sete Encruzilhadas dirigiu a Tenda Nossa Senhora da Piedade; após esse tempo, passou a direção à filha mais velha do médium, dona Zélia, aparelho do Caboclo Sete Flechas. Entretanto, Pai Antonio continua trabalhando, na cabana que tem o seu nome, localizada num sítio maravilhoso, em Cachoeiras de Macacu. O Caboclo manifesta-se ainda em datas especiais, como foi, por exemplo, o 63º aniversário daquela tenda. (nota entrevista feita em 1972).
Da gravação feita durante a celebração festiva, reproduzimos para os leitores, o trecho final da mensagem do Caboclo das Sete Encruzilhadas:
"A Umbanda tem progredido e vai progredir muito ainda. É preciso haver sinceridade, amor de irmão para irmão, para que a vil moeda não venha a destruir o médium, que será mais tarde expulso, como Jesus expulsou os vendilhões do templo. É preciso estar sempre de prevenção contra os obsessores, que podem atingir o médium. É preciso ter cuidado e haver moral, para que a Umbanda progrida e seja sempre uma Umbanda de humildade, amor e caridade. Essa é a nossa bandeira. Meus irmãos: sêde humildes, trazei amor no coração para que pela vossa mediunidade possa baixar um espírito superior; sempre afinados com a virtude que Jesus pregou na Terra, para que venha buscar socorro em vossas casas de caridade, todo o Brasil... Tenho uma coisa a vos pedir:
"Se Jesus veio ao planeta Terra na humilde manjedoura, não foi por acaso, não. Foi o Pai que assim o determinou. Que o nascimento de Jesus, o espírito que viria traçar à humanidade o caminho de obter a paz, saúde e felicidade, a humildade em que ele baixou neste planeta, a estrela que iluminou aquele estábulo, sirva para vós, iluminando vossos espíritos, retirando os escuros da maldade por pensamento, por ações; que Deus perdoe tudo o que tiverdes feito ou as maldades que podeis haver pensado, para que a paz possa reinar em vossos corações e nos vossos lares. Eu, meus irmãos, como o menor espírito que baixou à Terra, mas amigo de todos, numa concentração perfeita dos espíritos que me rodeiam neste momento, peço que eles sintam a necessidade de cada um de vós e que, ao sairdes deste templo de caridade, encontreis os caminhos abertos, vossos enfermos curados e a saúde para sempre em vossa matéria. Com o meu voto de paz, saúde e felicidade, com humildade, amor e caridade, sou e serei sempre o humilde CABOCLO DAS SETE ENCRUZILHADAS."
Fonte: Jornal de Umbanda Sagrada - Outubro de 2008
Autor: Atila Nunes Filho
Baseado em: Gira da Umbanda, ano 1 - numero 1 - 1972
Autor: Lília Ribeiro, Lucy e Creuza